segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sou do tempo...

Em 1992 tinha dez anos de idade - hoje tenho mais que o dobro - e adorava escutar música. Samba sempre foi algo musicalmente presente em minha casa. Dos vários vinis que meu pai possuia, um deles na época me chamou a atenção: Zeca Pagodinho. Na capa do disco "Patota de Cosme", com o cabelo bem preto e o rosto franzino, o intérprete soltava sua voz em "Tempo de DonDon", composição de Nei Lopes.

E quem era DonDon?

No começo do século XX, mais exatamente em 1909 (9/11), nascia o Andaraí Atlético Clube (ou Andarahy Atletic Club). O time, além das fracas atuações, se destacou por ser um clube formado por operários da época. Além disso, era um dos poucos que admitiam negros em suas fileiras. O departamento profissional do Andaraí não sobreviveu muito tempo. Durou até 1938. Enquanto clube social, teve uma sobrevida de 25 anos, vindo a fechar em 1973.

E onde entra DonDon nisso tudo?

DonDon brilhou pelo Andaraí nos anos 30 do século passado. Jogava no time como zagueiro e foi para ele que Nei Lopes fez a composição. DonDon para o "Andára" é equivalente a Lúcio para a Seleção Brasileira: uma estrela.

O que mudou?

A letra de Nei Lopes, cantada na voz jovial e malandra de Zeca Pagodinho já dava seu ar de saudade:

"No tempo que Dondon jogava no Andaraí / Nossa vida era mais simples de viver / Não tinha tanto miserê, nem tinha tanto tititi..."

De lá para cá muita coisa mudou e o Brasil melhorou seus indicadores sociais. Nos dias atuais, o Brasil é mais do que somente futebol, carnaval e samba. Ganhou destaque internacional por sua atuação na economia. Um dos poucos - senão o único - países que saiu fortalecido da crise econômica de 2008. Com o avanço tecnológico, a linguagem também sofreu mudanças. Tem a língua da internet, dos blogs, do economês, entre outros... O que será que mudou do "Tempo de DonDon" para cá?

- Propaganda era reclame e ambulância era dona assistência - Atualmente a ambulância se chama Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, ou simplesmente SAMU. Foi concebido em 1986, na França. No Brasil, foi concebido em 2003, como parte da Política Nacional de Atenção às Urgência.

Quanto ao termo "propaganda", continua sendo usado para designar anúncios publicitários.


- Mancada era um baita vexame e pornografia era só saliência - Nem vexame, nem mancada. Hoje em dia se "paga mico". A origem da expressão vem do jogo de cartas infantil, "Mico Preto", em que todas as cartas tem par (macho e fêmea), exceto o mico. O jogo acaba quando todos os pares se formam e quem pegar a carta do "mico" perde. Daí a expressão "pagar mico".

A pornografia continua atual nas páginas dos jornais, principalmente nos cadernos policiais. Mas atualmente se usa orgia e bacanal para designar a (nada) inocente pornografia.

- Malandro esticava o cabelo, mulher fazia misampli, xiii... - Hoje em dia não só os "malandros", mas uma boa parcela de jovens fazem moicanos - os mais rebeldes - ou usam cabelos mais caídos, como a estrela teen Justin Bieber

A tecnologia chegou para beneficiar as mulheres. A misampli (ou mise en plis, em Francês) nada mais era do que os cabelos presos por Bobs e em alguns casos, uma touca. Quem não se lembra de Dona Florinda, personagem do seriado "Chaves? Hoje, entretanto, as mulheres contam com chapinhas, permanentes, progressivas e até apliques, que são cabelos colados no cabelo, para dar mais "volume" e deixar o cabelo com madeixas mais longas.

DonDon jogando? Não vi! Pelé fazendo seu milésimo gol? Também não, mas vi e vejo a mudança na linguagem diariamente. A internet facilitou o processo. Uma pena que um grupo de estudiosos da lingua portuguesa abomine as mudanças que acontecem diariamente. Querem uma língua "pura" e "imutável".

Como a inquisição que queimou Giordano Bruno, por acreditar na existência de um sistema "infinito", os linguistas também "queimam" na fogueira aqueles que acham que uma língua não deve atender às mudanças socioeconômicas e se adequar a determinados contextos. Nesse quesito, tenho que concordar: no tempo de DonDon, "Não tinha tanto miserê, nem tinha tanto tititi".

Eduardo Pessoa

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